Manuel Meixide Fernandes. O autor é professor no ensino secundário de língua e cultura francesa e escritor oriundo de Chantada.
Globalização
ou
mundialização
seguem a ser
palavras muito pouco conhecidas para a grande parte da população.
Porém, o desvendamento do verdadeiro significado destas importantes
palavras é fulcral para o futuro da comunidade humana. Infelizmente,
o estado geral de indolência acrítica da sociedade atual,
embriagada pelo materialismo e o hedonismo reinantes, não deixa
espaço para a política, além da infrapolítica patrocinada pelo
Estado e concretada na atual partitocracia. O termo globalização,
definido e proclamado pelo poder político como uma idade dourada de
progresso e bem-estar material a nível planetário, mesmo para os
países ditos em
vias de desenvolvimento,
mas desconhecido pelo cidadão médio, significa realmente a
instauração de um único sistema político e económico em todo o
mundo, quer dizer, a instauração de um novo totalitarismo a nível
mundial (superando largamente a velha ditadura liberal-parlamentar
reinante em cada Estado concreto). Com efeito, este sistema único
cria por sua vez um pensamento único e uma ideologia única,
rechaçando com violência tudo o que for diferente. A conclusão é
que este sistema produz a
fortiori o
que se costuma em chamar um governo totalitário.
A materialização
formal deste governo, sem dúvida muito importante, não é essencial
para o que estamos a explicar. Desde a queda do bloco comunista,
começamos a viver sob este governo de signo totalitário. Vivemos o
seu totalitarismo em todos os âmbitos, no âmbito ideológico,
económico e político. Este totalitarismo foi sintetizado
ajeitadamente em duas lapidárias e orwellianas expressões: o
pensamento único e
o fim da
História, pertencendo
esta última e conhecida expressão ao economista japonês neoliberal
Fukuyama. Quanto ao caráter formal deste totalitarismo
globalizante, sim
temos um exemplo no planeta, a U.E.,
o único até o momento, pelo menos no âmbito económico, embora com
cada vez maior poder político e executivo, nomeadamente a partir da
crise financeira. É justamente a própria crise económica global no
seio da U.E., a que está a centrar o debate político européu em
redor de uma clara aposta pela integração política, desejo muitas
vezes feito público pelas próprias autoridades europeias. Este
velho desejo, refletido no próprio nome da organização, União
Europeia
-provavelmente
já presente desde a sua fundação como CEE na década de 50 do
século passado-, está a ser repetido cada vez com mais frequência:
o
ministro alemão pela Economia, Wolgfang Schauble, falou numa
verdadeira revolução nos Estados membros, aproveitando a crise, que
signifique uma maior integração política, até mesmo chegar à
criação de um Governo da Europa com um presidente da Comissão
Europeia eleito por sufrágio universal (El
Pais,
13-11-2011, pág. 12). O presidente Zapatero é ainda mais claro
durante um encontro da campanha eleitoral de 2011, quando diz
textualmente : Tiene
que haber un Gobierno europeo que tome decisiones para todos.
(La
Voz de Galicia, 18-11-2011,
pág. 43). Por
último, lembremos sempre que totalitarismo e eleições nominalmente
democráticas não são termos contraditórios, como o demonstra a
vitória por sufrágio universal do partido nacional socialista
alemão na década de trinta do século passado.
Estes
dous últimos exemplos, realmente significativos, transparecem de
jeito evidente as íntimas intenções e desejos da classe política
europeia: a criação de uma federação europeia com sé em
Bruxelas. Poder-se-ia pensar num primeiro momento que tal federação
é positiva para a população, como já se está começando a fazer
de jeito mais ou menos explícito nos mass
media,
nomeadamente nos jornais, a continuar com a boa
imagem da
U.E. em geral. Neste senso, temos de lembrar que quando começou a
crescer a U.E., este novo organismo político global foi apresentado
pelos mass
media como
um claro avanço para a população europeia, sinónimo de progresso,
europeísmo e bem-estar para todos. Quem pudesse estar em contra da
U.E. era ou um imbécil ou uma pessoa de ideologias já fracassadas.
Agora podemos ver como o monstro nasceu monstro e quer crescer cada
vez mais. O mesmo aconteceu com o nascimento do euro, a moeda global
europeia, sancta
sanctorum da
nova Europa, e agora imprescindível tesouro a proteger do alcance da
crise. Perante estes flagrantes enganos do poder -mais alguns na sua
extensa e numerosa lista através dos séculos-, o primeiro que temos
de fazer é desmascarar sem medo a globalização. A globalização é
a tirania sob um Estado monstruoso, como o está a demonstrar cada
dia de jeito implacável a crise atual.
Todas
estas afirmações não são um exagero precipitado, é a lógica
histórica após a queda do muro de Berlim e da URSS. Após estes
dous eventos históricos e o começo da última década do século
passado, os dous blocos irreconciliáveis da guerra fria desaparecem,
e o mundo já esta pronto para a sua uniformização. Esta
uniformização vai ter como uma das suas principais ferramentas o
livre comércio, mais concretamente o neoliberalismo ou
ultraliberalismo económico, centrado na nova Rússia capitalista, na
África do Sul post-apartheid
e na abertura da China aos mercados internacionais. Este
ultraliberalismo económico vai estar baseado nas teses da escola
económica de Chicago, fundada pelo prémio Nobel de economia do ano
1973, Milton Friedman. Os eixos desta escola económica são três:
desregulação do mercado, privatização, e redução das despesas
públicas. Tudo para atingir a tese principal desta escola de
pensamento económico: o mercado tem a capacidade de gerir-se a si
próprio, e há que evitar qualquer tipo de obstáculo ou disfunção
que possa evitar esta tendência natural. Por outras palavras, o
objetivo é criar um livre comércio realmente livre, no que o único
soberano seja ele próprio. Durante a década de noventa do século
passado, a escola de Chicago vai ver aumentada a sua hegemonia e
influência no pensamento económico mundial, a coincidir
precisamente com o início do processo globalizador. O
ultraliberalismo económico vai produzir o aceleramento da
uniformização económica e política do planeta, usando a violência
como principal ferramenta de implementação, como muito bem
documenta a excelente e magna obra A
doutrina do choque,
de Naomi Klein.
Achamo-nos neste momento numa
fase já avançada do complexo processo histórico denominado
globalização,
que nasce como já foi comentado acima, a começos da década de 90
do século passado com a desintegração da URSS e com o fim da
guerra fria. A nova Rússia vai ser mais um país de economia
capitalista, ao igual que os seus antigos satélites e as novas
repúblicas independentes nascidas após a desintegração da
confederação socialista soviética. A liberalização económica da
URSS significa um enorme alargamento dos mercados internacionais
capitalistas, porquanto estamos a falar do país mais extenso do
planeta, a possuir numerosos recursos naturais. De uma outra parte, e
com o desembarco dos Chicago
boys -membros
da escola económica de Chicago- na China por volta do ano 1985,
introduzindo claras medidas económicas ultraliberais, o socialismo
clássico no mundo desaparece quase de fato, reduzido a uns poucos
países, entre os que se podem citar Cuba e Coreia do Norte. O
exemplo paradigmático da nova época é sem dúvida a China, na que
a partir da data antes indicada, vai-se praticar um sistema híbrido
ou misto que poderiamos denominar sócio-capitalismo. O crescimento
económico imparável da China coincide com a data da chegada da
escola de Chicago
a Beijing,
crescimento portanto acontecido não por acaso.
A globalização,
uniformização a nível planetário, baseada na industrialização e
no banco, significa a transformação do ser humano numa máquina
perfeita de produzir, uma máquina que terá de aumentar
indefinidamente o seu horário de funcionamento para fornecer o
combustível das monstruosas indústrias transnacionais. Por outras
palavras, significa a robotização absoluta do ser humano. O
indivíduo -incluindo o funcionariado-, tem de ser o novo robô das
multinacionais e do novo Estado. O pouco tempo de lazer disponível
tem por força de desaparecer, engolido pela lógica da
produtividade, o rendimento, a competitividade e a concorrência,
elementos tradicionais do livre comércio e da empresa privada
capitalista que vão ser levados até às suas últimas
consequências. Com efeito, estes elementos, plenamente
desenvolvidos, também vão ser implementados no âmbito público
-como já se está a ver na última legislação produzida pelo
sistema-, nomeadamente na educação e na sanidade. A pequena e
mediana empresa capitalista está condenada a desaparecer, engolida
neste futuro de despiedada concorrência e produtividade. O caráter
nacional destas empresas vai ser substituído no curto e meio prazo
pelo capital transnacional, na sua grande parte o poderoso capital
dos países emergentes, como testemunha a compra de mais de 200
empresas europeias pelas multinacionais chinesas durante o período
2008-2010.
De uma outra parte,
o futuro dos pequenos negócios e dos empresários em nome individual
também não parece muito fácil. Durante a presente e terrível
crise económica global, miles de negócios estão a fechar as suas
portas na Europa. O endividamento de muitos deles não lhes permite
abrir um outro negócio, ficando condenados à marginalidade ou a
qualquer tipo de emprego. As profissões liberais, por sua parte,
estão também condenadas em geral a acabar nas mãos das grandes
empresas e das multinacionais, oferecendo os seus serviços em troca
de outras condições muito diferentes à época anterior à crise:
muitas mais horas de trabalho e muito menos salário. A outra
alternativa, a guisa de exemplo, são os 600 euros de média que
estão a ingressar neste momento os arquitetos galegos. Aliás, o
pobre e indigno status do empregado e do operário vai-se degradar
ainda muito mais sem dúvida, ficando obrigado o indivíduo a
escolher entre duas opções: a fome, ou prostituir o seu corpo num
horário de escravo manual assalariado. As mesmas opções que tinha
no século XIX, em plena expansão do capitalismo. Finalmente, a
crise está destruindo aceleradamente a classe média, que cresceu de
jeito exponencial graças à generosidade do Estado do bem-estar. O
mais terrível desta destruição contínua é que não significa a
baixa de um degrau no status, da classe média para a classe baixa,
mas o verdadeiro descenso aos infernos da pobreza. Esta pobreza é o
destino de centos de miles de pessoas que pertenciam à classe média,
e agora têm de alimentar o seu ventre em comedores sociais.
A crise financeira global do
biénio 2007-2008 é mais um passo fundamental na agenda
globalizadora do poder e das elites governantes, criando os alicerces
de uma nova ordem mundial na que o centro de gravidade geopolítico
deixe de situar-se em Ocidente, passando a achar-se nos denominados
países emergentes, nomeadamente a China. Isto significa o fim de um
ciclo histórico de mais de quinhentos anos -desde a descoberta da
América-, mas também o nascimento de um outro ciclo no que Ocidente
terá de ter pela primeira vez um papel secundário ou subordinado.
Este novo papel não deve fazer-nos esquecer a hegemonia ideológica:
Ocidente vai seguir sendo hegemónico de um ponto de vista
ideológico. O mundo globalizado graças a capitalismo e socialismo,
é um modelo universal exportado pela cultura ocidental, adotado por
todos os países do planeta. O modelo materialista e industrial de
Ocidente triunfou em todo o mundo, pondo em perigo o equilíbrio
ecológico da Terra, agredindo com violência as comunidades
indígenas tradicionais, e marginando com frequência a cultura
milenária dos novos países a colonizar, cultura muitas vezes
profundamente antagónica com o próprio modelo ocidental. Um exemplo
desta realidade é o Japão. Diz-se que no Japão convivem uma
cultura milenária e uma das sociedades mais industrializadas do
mundo, mas é mentira. O Japão renunciou aos seus valores
tradicionais, em troca desta renúncia atingiu um desenvolvimento
industrial e tecnológico que tem o elemento material como único
valor. O mesmo acontece na China. Onde é que está a China de
Confúcio e os seus valores morais tradicionais?. Essa China não
convive com a China moderna, essa China desapareceu, ou melhor dito,
essa China prostituiu-se em troca dos benefícios puramente
materiais. E o mesmo aconteceu na Índia, onde a antiga tradição
espiritual, moral e artesanal é substituída por um nefasto modelo
industrial a partir da sua independência, atraiçoando o valioso
legado de Mahatma Gandhi.
Após vinte e sete
anos interrompidos de extraordinário crescimento económico, a China
está prestes a se converter na primeira potência económica
mundial, substituindo os EEUU. A crise está a beneficiar muito a
economia chinesa, porquanto apesar de baixar o crescimento do seu PIB
anual (do 12% ao 7%), como já foi mencionado acima, entre os anos
2008-2010 mais de 200 empresas europeias foram compradas por empresas
chinesas a um preço muito baixo. Quase se poderia afirmar que quanto
mais durar a crise mais crescerá exponencialmente a hegemonia
económica chinesa. Historicamente, a potência ou império
hegemónico é o que impõe a sua personalidade ao resto do mundo: o
Império Romano, a potência da Antiguidade, impus as suas leis e a
sua língua a boa parte da Europa, Oriente Próximo e norte de
África; o Império Britânico, a potência do século XIX impus a
sua vontade pelos cinco continentes, fazendo de Londres a capital
financeira do mundo. A personalidade política chinesa, como sabemos,
está baseada num sócio-capitalismo totalitário, onde o indivíduo
deve manter obediência absoluta ao seu Estado, e onde a
desobediência paga-se com a tortura e com a morte. A hegemonia
económica e militar estadounidense, a partir do fim da II Guerra
Mundial, uniformizou o
mundo livre
em base a um
forte consumismo e uma forte industrialização, semeando o mundo de
bases militares para atingir um controlo estratégico e geopolítico
do planeta. Esta foi a histórica hegemonia norte-americana,
possibilitada pela guerra fria e a sua ameaça constante (o arsenal
nuclear também estava justicado nesse mesmo contexto). Como é que
será a muito provável hegemonia chinesa?.
Tendo em linha de
conta que a intervenção do FMI na Europa durante a crise, está a
condenar os países intervidos a uma hipoteca de duração indefinida
para pagarem os elevados empréstimos da organização internacional,
e que a quarta economia da UE , a espanhola, já foi intervida no seu
setor bancário, a economia europeia aproxima-se claramente para o
seu ocaso prolongado e definitivo. Tudo isto sem falarmos da política
de austeridade e
da sua consequência, as profundas
reformas
estruturais
-pura
aplicação das teses da escola de Chicago-, e que está a condenar
o conjunto da UE a uma profunda e indefinida recessão, incluída a
Itália, a terceira economia da zona. Para sermos mais exatos,
haveria que dizer que toda a economia ocidental semelha caminhar para
o seu ocaso no curto prazo, afirmação fundamentada no débil
crescimento estadounidense a partir de 2009 -em redor de um 3% do
PIB-, comparado com o imparável crescimento chinês. Destarte, o
principal agente do projeto globalizador-totalitário semelha ser o
país natal do filósofo Confúcio. Podemos enganar-nos nestas
observações, mas não parece descabelado pensar deste jeito. Isto
poderia significar a exportação do modelo híbrido
sócio-capitalista chinês ao resto do mundo: a liberalização total
da economia de uma parte, e o controlo também total do indivíduo
sob o Estado de uma outra.
É fundamental portanto que a
população saiba o que é a globalização,
a perda não só das diferentes soberanias nacionais -perda que se
está a produzir dia após dia desde que começou a crise-, mas da
liberdade individual e coletiva em nome de uma soberania globalizante
e totalitária muito maior e pior do que a nacional, que implica
necessariamente a morte da consciência do indivíduo e a sua entrega
total em mãos do novo Estado. Isto não é um exagero, agora podemos
assistir à tomada de poder desta nova estrutura política
globalizante por cima das legislações nacionais, como já ocorreu
com a Constituição Espanhola, sem modificar desde 1978 e mudada não
há muito em tempo recorde pelas elites europeias para a adatar às
novas exigências globalizadoras e ultraliberais, com a inestimável
colaboração do Congreso
de los Diputados.
Aquele
que tiver dúvidas sobre o caráter ditatorial e totalitário da
globalização em marcha, que reflita sobre tudo o que se está a
fazer na Europa desde o início da crise: o resgate da banca, os
cortes
contínuos
e sangradores no âmbito social, a mutilação das pensões, o
despedimento de miles de trabalhadores públicos e a mutilação do
seu salário, a legislação para criminalizar a resistência
pacífica e a liberdade de expressão... Se tudo isto, feito com o
mais absoluto desprezo dos cidadãos e da sua opinião, não são os
traços de uma terrível ditadura global emergente, então é que
temos os olhos vendados pela formosa miragem da democracia moderna.
Finalmente,
perante a estrema complexidade e gravidade política dos
acontecimentos que estamos a viver, e que aumentará sem dúvida no
futuro por causa da própria inércia dos fatos, cumpre fazer antes
de mais uma profunda reflexão. Primeiro, a maravilhosa
globalização que nos prometiam não é tão maravilhosa e está-se
a manifestar durante a crise como claramente tirânica
e anti-democrática;
segundo, a própria ideia de civilização
fica questionada, quer dizer, o denominado progresso,
herdado do pensamento ilustrado e das revoluções liberais do século
XIX, baseado no modelo da industrialização -comum em capitalismo e
socialismo e alicerçado no banco-, está a oprimir o cidadão até o
ponto de anular completamente a sua vontade e a sua capacidade de
decisão. Por outras palavras, a
civilização
está
a anular o indivíduo.
Terceiro, cumpre
portanto uma revisão racional profunda e pelo miúdo do significado
das palavras civilização,
cidadão e
democracia.
Esta revisão e análise rigorosas têm-nos que ajudar a achar o
lugar da verdadeira civilização, mas também da verdadeira
democracia.
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